sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Samba e preconceito

Puxei do blog Terreiro grande e achei interessante alias esse blog tem muita coisa interessante



Por Zeca Ferreira





É pressuposto da sociedade do espetáculo a dificuldade em se discutir idéias, em se opor, de forma clara, conceitos. A condenação a priori de qualquer forma de radicalismo, como já bem colocou o Renato, é o exemplo cristalino disso ( embora esteja longe de me enquadrar na idéia retrógrada de radicalismo que andam plantando por aí, não nego a importância do verdadeiro pensamento radical, motor histórico das transformações reais ).

Nas campanhas políticas contemporâneas esse movimento é claro, e, uma vez que as plataformas se equivalem (sem radicalismo), sobra espaço para a guerra da imagem, feita de indiretas de ordem pessoal e flagrantes de frases infelizes. Aqui no Rio de Janeiro, a vítima (da própria boca e preconceito) tem sido o candidato verde Fernando Gabeira. Celebrando a adesão de um grande número de artistas à sua campanha, resolveu alfinetar o adversário, Eduardo Paes, que na véspera recebera o apoio de gente como Nelson Sargento, Dudu Nobre, entre outros, dizendo que Paes "só tinha conseguido atrair um grupo de sambistas para uma feijoada."

Há quem não tenha visto preconceito na frase, a começar pelo Gabeira, que reiterou: “Era um grupo de sambistas e era uma feijoada. Qual o preconceito em dizer que sambistas se reuniram em torno de uma feijoada para apoiá-lo?”

O preconceito explícito escancarado, como na frase do Gabeira, ainda existe em abundância, mas é logo condenado pela tribuna do politicamente correto ( nada mais justo ). O Gabeira pode até ganhar a prefeitura do Rio, mas terá ainda que conviver por algum tempo com a ressonância de suas frases infelizes. Mas logo se esquece, frases infelizes não faltarão para ocupar as páginas, transformando essas suas em papel para embrulhar peixe.

Mas esse tipo explícito de preconceito me parece ainda menos importante do que aquele presente nas sombras das idéias, no alicerce do pensamento conservador brasileiro. É o preconceito que sustenta toda uma visão de mundo, que, muitas vezes passando despercebido pelo próprio autor, reafirma a separação social que a escravidão produziu e que, pra derrubar, vai ser preciso ainda muito tempo, energia e luta.

Passando longe de questões sociais quaisquer ( não é disso que se trata! ), ou de personalizar o problema, diria que o buraco é realmente embaixo, histórico e enraizado. Voltei recentemente a questão parecida com a do tal mistério do samba, levantado pelo Renato, ao ler no O Globo, uma boa e extensa matéria comemorando o centenário do Cartola. Levantava uma série de informações interessantíssimas, como uma entrevista reveladora do Tantinho, que conta da expulsão do Geraldo Pereira da quadra, por querer cantar um samba já gravado, o que era proibido. ( vivesse ele nesses tempos de marola, seria o Cartola enquadrado entre os radicais? ) “Mas creio que este tipo de atitude não era implicância, mas um cuidado”, diz Tantinho.


Lá pelas tantas, perdido no meio da matéria, vem o parágrafo:

"Cartola – Agenor de Oliveira, registrado como Angenor – é fenômeno em vários outros sentidos. Sem conhecimento formal de música, foi inspirado melodista; violonista limitado, criou no instrumento sofisticadas harmonias; longe de ser um homem culto, escreveu admiráveis letras ("Cartola é daquelas criaturas que a música habita nelas", disse Carlos Drummond de Andrade, a propósito de ´O mundo é um moinho´"); pobre, passando a maior parte da vida entre os barracões da Mangueira e uma população barra-pesada, a dos anos de sumiço, foi exemplo de delicadeza e elegância."


Que Cartola é um fenômeno, não resta dúvida. Compositor fundamental, liderança inquestionável na construção do carnaval das escolas de samba, basta uma visita à sua obra para confirmar. Mas voltemos ao parágrafo, com atenção, para entender as razões apontadas para justificar a sua condição fenomenal.

Segundo o texto, Cartola é fenomenal em vários sentidos, como explicam as oposições:

Sem conhecimento musical X inspirado melodista

Violonista limitado X criou no violão sofisticadas harmonias

Longe de ser um homem culto X escreveu admiráveis letras

Pobre e favelado X delicado e elegante


O texto segue, portanto, a mesmíssima tese do mistério do samba. Cartola surge, então, como mais um exemplo de superação, fenômeno por extrair poesia da escassez.

Todas as sentenças podem (e devem) ser questionadas, mas a síntese dessa visão (de mundo) está sugerida admiravelmente nas palavras "longe de ser um homem culto". De que cultura exatamente estamos falando?

Se fosse possível metrificar, eu arriscaria dizer que a distância entre o Cartola e um homem culto é mais ou menos a mesma que separa sua obra da do imortal poeta José Sarney.







Obs: O autor do texto não tem domicílio eleitoral no Rio de Janeiro. Portanto, não vota nem em Eduardo Paes nem em Gabeira. Já tem problemas demais.

Um comentário:

Rodrigo Vides disse...

Da hora ficou o blog hein Dghéguitaço!.... depois vou dar uma lida com mais calma!
Flw